O primeiro pão que eu fiz, com fermento biológico seco, foi seguindo uma receita de “Pão italiano” que vi no programa Cozinha Prática, da Rita Lobo, no GNT. Bastava misturar os ingredientes na medida certa e esperar a mágica acontecer. Eu não sabia, mas naquele momento eu tinha sido apresentado pela primeira vez ao método “No-knead bread” (em português, “Pão sem sova”), que usa outros processos para formar a cadeia de glúten, responsável pela textura do pão.
Quando fiz meu primeiro levain e comecei a produzir pães de fermentação longa e natural, testei diversos tipos de sova. Usei a batedeira planetária, sovei com as mãos… até que vi os pães maravilhosos que a Cristina Valeije faz, sem sova, apenas com dobras. Resolvi testar e achei o resultado maravilhoso: um pão lindo, de casca bem crocante, miolo muito macio, cheio de alvéolos. Impossível resistir, além de ser bem mais prático e poupar um pouco os braços. Cada técnica tem sua vantagem. O importante é descobrir o método que é melhor para você, para seu paladar.
Quer experimentar a receita? Fiz algumas experiências mexendo nas proporções e aqui vai a combinação em que consegui o melhor resultado (para meu paladar!):
Receita de Pão de fermentação natural sem sova
Adaptação de receita da Cristina Valeije, de “A Cozinha da Vovó”
INGREDIENTES
- Farinha de trigo: 500g (100%)
- Água: 350g (70% de hidratação)
- Levain: 175g (35%)
- Sal: 12g
- Açúcar: 5g
PREPARO DA MASSA
Passo 1 – Autólise
Autólise é o método desenvolvido por Raymond Calvel, em 1974, em que água e farinha são misturadas e colocadas para repousar, iniciando o desenvolvimento da rede de glúten. Você pode fazer a autólise apenas com farinha e água ou, dependendo do tempo que tem disponível, fazer já com o levain. Aqui vou contar o processo em que incluí o fermento na autólise. Nesse caso, pra sua massa não virar um grande fermento, deixe descansar até 40 minutos.
Dilua o levain na água o máximo que conseguir (não tem problema se alguns pedacinhos não se dissolverem totalmente). Numa tijela grande, misture a farinha, o sal e o açúcar e adicione a água com fermento, mexendo bem com a colher. Finalize a mistura da massa com as mãos para garantir que os ingredientes secos fiquem bem hidratados. Deixe a massa descansar por 40 minutos, em temperatura ambiente, de 20 a 25 graus, coberta por filme plástico, pano de prato ou touca plástica (que você vai usar apenas na cozinha, claro!). Se o dia estiver quente, deixe na geladeira. A massa não deve esquentar muito para não acelerar o processo nesta fase de primeira fermentação.
Passo 2 – Dobras
Após o descanso começaremos a fazer dobras na massa, de meia e meia hora, por 2 horas (total de 4 dobras). Essa etapa é importante no processo de fermentação pois, quando esticamos e dobramos a massa, estamos trabalhando a cadeia de glúten.
Na tijela, pegue um lado da massa, estique e dobre puxando para o centro dela. Repita esse processo de puxar-esticar-dobrar ao redor de toda massa. Deixe descansar por 30 minutos e volte a repetir o mesmo movimento, mais 3 vezes, com intervalos de 30 minutos. Depois da última dobra, deixe descansar por mais 30 minutos.
Se o dia estiver quente, costumo fazer a descanso entre as dobras na geladeira. Faça testes para ver qual resultado é o melhor pra você.
Passo 3 – Pre-shape ou pré-moldagem
Depois das dobras e descansos, é hora de preparar a massa para o formato final em que fará a segunda fermentação, antes de ir pra panela. Abra a massa delicadamente com as mãos e puxe as laterais para o centro, unindo e apertando as pontas. Vire o lado da “costura” para baixo, boleie a massa para deixá-la mais redonda e deixe descansar por mais 30 minutos.
Passo 4 – Shape ou moldagem final
Já decidiu qual formato quer fazer nesse pão? Redondo, retangular… são muitas as opções e jeitos de fazer. Abra a massa delicadamente sobre a bancada de trabalho e comece a puxar as laterais da massa e dobrar sobre ela mesma. Comece pela parte de baixo, puxando e esticando até o centro. Depois, puxe um pouco da massa nas laterais esquerda e direita e cruze a massa até alcançar o outro ponto. Algo parecido com “trocar fraldas” (rsss). Pegue a parte de cima, puxe e estique até alcançar a ponta de baixo. Depois, comece a puxar um pouco da massa de cada lado, cruzando e “colando” com a ponta do do outro lado, como se estivesse costurando. Vá enrolando a massa sobre ela mesma, deixando a parte da costura para baixo, em contato com a bancada, para selar.
Ao finalizar a moldagem, coloque a massa com a costura para cima, num banetton (ou qualquer cesto forrado com guardanapo) polvilhado com farinha de arroz. Você pode usar um escorredor de macarrão, bowl de vidro ou alumínio, cesto de vime… vale tudo!).
Deixe a massa descansar por 1 hora em temperatura ambiente.
Passo 5 – Segunda fermentação
Leve a massa para segunda fermentação na geladeira, coberto por um saco plástico limpo ou a mesma touca plástica que usou no primeiro passo. Escolha a parte menos fria da geladeira (talvez a gaveta de legumes e verduras) e deixe descansar por 12 a 24 horas.
Passo 6 – Assar
O pão deve crescer durante a segunda fermentação, mas não deixe dobrar de tamanho. Mas atenção: o pão deve ter fôlego para crescer no forno, o que chamamos de “salto de forno”. Não deixe fermentar além da conta.
Pré-aqueça o forno em 250 graus por 30 minutos e coloque a panela com tampa para esquentar. Use um timer (tem no seu celular!) para não perder a hora.
Enquanto a panela aquece, tire a massa da geladeira, coloque sobre um papel antiaderente (eu uso Papel Dover, melhor que papel-manteiga), espalhe um pouco de farinha de arroz sobre ela e faça o corte e a decoração que desejar. Essa é uma das partes mais divertidas do processo.
Passado os 30 minutos, tire a panela do forno. Coloque o pão na panela, tampe, mas cuidado para não se queimar. Lembre-se, está MUITO quente. Você pode borrifar água na tampa quente, logo antes de fechar a panela, para formar mais vapor que ajudará a manter a casca úmida enquanto o pão assa bem, de dentro pra fora.
Coloque a panela tampada no forno e deixe assar por 30 minutos a 250 graus. Lembre-se de usar o timer, uma santa ajuda. Depois, tire a tampa e veja como ficou seu pão. Sucesso!
Reduza a 220 graus e deixe assar por mais 20 minutos, sem a tampa. Reduza a 180 e deixe assar por mais 10 minutos, para deixar o miolo mais seco, reduzindo o excesso de umidade da massa. Nos minutos finais, acenda a grelha superior (se o seu forno tiver) para ajudar a deixá-lo mais corado sem queimar a parte de baixo. O tempo de cocção do pão pode variar de forno para forno. Fique de olho, sempre!
Passo 7 – Esperar
Depois de assado, tire o pão da panela e deixe esfriar totalmente sobre uma grelha (pode ser na grelha do fogão), deixando o ar passar por cima e por baixo do pão, para que a casca de baixo não fique úmida demais por conta do calor. Esse tempo é importante para que o pão termine a cocção, mesmo fora do forno.
RESUMO DA ÓPERA
- Autólise com todos os ingredientes, incluindo o levain, por 40 minutos
- Dobras a cada meia hora, por 2 horas
- Pré-moldagem
- Descanso de 30 minutos
- Moldagem final
- Descanso de 1 hora (em temperatura ambiente)
- Segunda fermentação na geladeira, de 12 a 24 horas
- Pré-aquecer forno e panela com tampa por 30 minutos a 250 graus
- Assar a 250 graus por 30 minutos
- Tirar a tampa e continuar a assar a 220 graus por 20 minutos
- Finalizar a 180 graus por 10 minutos (ligando grelha superior nos últimos minutos para dourar)
- Esperar esfriar
- Comer
A Cris Valeije, que me inspirou a fazer pães sem sova, tem um canal no Youtube cheio de vídeos com dicas e receitas. Visite o canal “A Cozinha da Vovó” e inspire-se! Ela também realiza em São Paulo a “Oficina Terapia do Pão”. Siga o perfil dela no Instagram e acompanhe as datas do curso.
Seja feliz, faça pão!
Qual farinha você usa?
Oi Cleber. Costumo usar mais as farinhas Anaconda Tradicional ou Premium, Mirella, Rosa Branca e Dona Benta.
Muito obrigada pela dica das farinhas nacionais, Guilherme!
Olá site muito útil cheio de dicas boas…preciso de uma ajuda, estou fazendo meus pães usando esta receita, mas estão fermentando rápido demais em 1h em TA já fica quase no ponto de assar queria muito uma fermentação mais longa mas não consigo, da última vez deixei 14 horas ele desmontou na hora de assar, abaixou muito. Fica saboroso mas a aparência, nada de pestana nem salto no forno…como posso resolver isso…?
Oi Fabiana, tudo bem? Obrigado!!! Se a fermentação está ocorrendo muito rapidamente, deixe apenas meia hora em temperatura ambiente e leve para fazer a segunda fermentação na geladeira. O frio deve retardar o desenvolvimento da massa e garantir uma fermentação longa e lenta. Abraço!
Obrigada,creio que não se lembre mas já me ajudou muitas vezes, suas dicas sempre funcionam. Esse site é uma pérola, fiz a focaccia e ficou deliciosa… obrigada vou estar assim
Claro que lembro! E fico muito feliz que esteja curtindo. Obrigado!!!
Parabéns a todos que trilham este caminho da produção de pães artesanais!
Cada dica me anima mais!
Obrigada a todos por compartilhar conosco tantas coisas boas!
Continuem! !! Abraços
Viva!!!!!
Na geladeira, segunda fermentação, como saber o ponto certo?
A massa deverá ter crescido em relação ao ponto em que foi para a geladeira. Algumas pessoas usam o recurso do toque: quando você toca a massa, fica a marca do dedo e ele volta aos poucos, devagar, ao normal… é uma indicação de que a massa está no ponto de fermentação. Se na geladeira sua massa não cresceu nada, pode ser que tenha passado frio demais lá dentro. Neste caso, melhor deixar um tempo em temperatura ambiente para que a fermentação possa acontecer. Abraço!
Oi, Guilherme. Sigo o passo a passo da sua receita. Os pães ficam lindos, mas por dentro a massa ainda fica um pouco úmida, como se estivesse crua. Não fica sequinha. É isso mesmo?
Grande abraço!
Oi Emiliano, o ideal é que o miolo fique macio e sequinho. Imagino que possam estar ocorrendo duas coisas: tempo de fermentação insuficiente (vale testar variações de tempo), ou temperatura do forno. Se seu forno não chega a uma temperatura tão alta quanto 250 graus, pode ser que precise deixar mais tempo tampado para que o pão possa se desenvolver melhor. Talvez o tempo, na temperatura obtida, seja pouco. Vale fazer alguns testes. O bom é que, testando, sempre dá pão! ;-)
Vamos para a próxima receita!
Dúvidas:
1- qualquer panela aguenta a temperatura do forno?
2- água GELADA também certo?
Oi Antonio! Nem toda panela aguenta 250 graus. Procure as especificações do fabricante do modelo da sua panela pela internet. É importante checar isso ou você estragará sua panela. Não use nenhuma que tenha madeira ou plástico. Já usei até de inox, mas que permitia alta temperatura. Hoje uso panela de ferro da Fundição Santana. Sobre a água, sempre gelada. Isso ajuda a não esquentar muito a massa durante o processo de dobras e primeira fermentação se fizer em temperatura ambiente (TA). Abraço!
Olá, parabéns pelo site!
Gostaria de saber se posso usar panela de alumino batido, barro ou inox? Pois ainda não tenho de ferro.
Olá, Francisco. Antes da panela de ferro eu usava uma panela de inox da Tramontina. Toda de inox, claro, sem plástico nem madeira. Você pode usar qualquer panela com tampa QUE POSSA IR AO FORNO. Verifique com o fabricante se a panela pode ir ao forno, se aguenta alta temperatura. No site do fabricante geralmente tem o manual da panela com essas informações. E não pode ter nada de madeira, nem plástico. Com o tempo minha panela de inox foi escurecendo, manchando. Se isso não for um problema pra você, vá em frente! Abraço!
Olá Guilherme, parabéns pelo site!
Me senti muito inspirada com a clareza que passa as informações!
Vi apenas duas postagens até agora do seu blog, mas já me apaixonei por está arte de fazer pães… Espero conseguir bons resultados!
Iniciei o processo de fazer o Levain, porém foi antes de achar o seu blog, o meu fiz apenas com água filtrada e farinha de trigo integral. – Tem se desenvolvido!
Porém, fiquei em dúvida se a falta do suco de abacaxi no processo vai fazer diferença na qualidade do meu Levain?
Ah e também se for possível, Você teria como postar fotos dos principais utensílios utilizados, principalmente da sua panela de ferro?
Grata,
Pâmela Borges
Olá, Pâmela. Fico muito feliz por inspirar. Obrigado pelo carinho. Existem muitas formas de fazer o levain. Desse jeito que você está fazendo dará certo. Cuide bem dele. A receita com o suco de abacaxi é do Luiz Américo Camargo, no livro “Pão Nosso”. São formas diferentes de obter o mesmo resultado. Siga em frente em conte as novidades. Quando puder farei um post com os utensílios que uso. Abraço!
Olá Guilherme
Parabéns pelas suas receitas e pelo site.
Gostaria de saber se vc tem alguma receite de baguete au levain, sem fermento biológico.
Tenho dúvidas em relação ao shape final. Vc indica algum vídeo que facilite o entendimento, por favor?
Grato,
Fábio.
Oi Guilherme
Eu novamente, o Fábio.
Quando eu perguntei sobre algum vídeo sobre o shape final, é em relação ao pão redondo. Acredito que o meu pão não tenha crescido o suficiente pq eu não esteja sabendo fazer o shape final corretamente. Sigo todas as orientações do passo-a-passo com bastante critério.
Obrigado novamente.
Ola! Se nao tiver farinha de arroz polvilho com o que?
Olá! Talvez o fubá seja uma alternativa. Abraço
Meu fogão é antigo, só chega a 200 graus, como faço?
Olá! Deixe a panela pré-aquecer por mais tempo e deixe o pão mais tempo assando também. Vale o teste. Abraço.
Você assou o pão em uma panela de aço inox? Dá certo? Pelo que tenho visto só assam em panela de ferro.
No começo eu usava uma panela 100% inox da Tramontina, que pode ir ao forno. Dava certo, apesar de escurecer o inox. Mas quando troquei por uma panela de ferro tive melhor resultado pois ela guarda mais calor por mais tempo. Abraço.
Oi td bem? Será que posso usar a panela de inox aquelas tradicionais da Tramontina para assar meu pão?
Olá! Eu já usei minha panela de inox da Tramontina e deu certo. Ela escurece um pouco, mas tudo bem pra mim. Verifique no site da Tramontina se o seu modelo pode ir ao forno. Abraço
Guiljermr,
Parabéns pelo seu desprendimento em ensinar.
Fiz esse pão e ficou muito lindo. Só fiquei com uma dúvida, minha massa ficou muito mole, mesmo depois da fermentação em geladeira. É assim mesmo?
Obrigado! Pode ser que tenha sido muito liquido pra sua farinha. Na próxima, coloque um pouco menos… Abraço!